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"œEstamos dispostos a trabalhar", diz médico cubano que deixou Mais Médicos

Enquanto cidades do Piauí permanecem sem atendimento por falta de preenchimento das vagas do programa Mais Médicos, médico cubano espera chance de poder voltar a trabalhar

22/12/2018 11:55

Raymel Kessel, 39 anos, acompanha o calendário com ansiedade e esperança. Ele é um dos cerca de 40 médicos cubanos do programa Mais Médicos que decidiram ficar no Piauí para aguardar a chance de serem reintegrados aos quadros de trabalho no país. No entanto, a espera que só se encerra dia 3 de janeiro - data em que o edital do programa estará aberto para a inscrição de médicos estrangeiros - deixa o cenário apreensivo para os profissionais que escolheram permanecer em solo brasileiro.

“O governo deixou as inscrições para os médicos estrangeiros apenas em janeiro, caso sobre vagas. Estamos dispostos a trabalhar, mas, do jeito que está acontecendo, as possibilidades são poucas”, afirma.

Raymel trabalhou no Piauí, no município de Ilha Grande, Norte do Estado, desde que o programa foi implantado no país, em 2013. No Estado, o médico cubano formou família e viu sua presença ser celebrada pela comunidade.


Raymel Kessel e o filho, fruto de relacionamento com uma piauiense (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

“Eu tinha experiência de trabalhar em outros países em situação de pobreza, mas a situação que vi ao começar a trabalhar aqui foi chocante. Muitas pessoas morando em casas de barro, locais que não tem condição de moradia, pescadores sem renda fixa, muitos problemas que assustam. Mas desde que cheguei fui muito bem recebido. Chegou o momento de eu me sentir parte da comunidade. Hoje eu me sinto em casa”, declara.

O médico conta que o trabalho de saúde desenvolvido por ele e sua equipe no Posto de Saúde Governador Mão Santa, no pequeno município do litoral piauiense, alcançava a comunidade como um todo, desde crianças a idosos. “Fizemos até trabalhos educativos de prevenção a saúde com crianças, adolescentes, era um prazer trabalhar para a comunidade”, ressalta.

Agora, no posto de saúde que o cubano atuava, outro médico já ocupa o lugar após a abertura do edital para os profissionais brasileiros. Mesmo tendo estabelecido vínculos no município, onde a poucos quilômetros dali a esposa atua como professora universitária e o filho de dois anos é criado, ele diz estar disposto a ir a qualquer lugar do Brasil.

“Não foi fácil escolher ficar, lá em Cuba tenho meus pais e familiares. Mas hoje me casei com uma mulher linda, tenho um filho, e eu só quero voltar a trabalhar. Queria muito que fosse no Piauí, mas estou disposto a ir a qualquer lugar do Brasil”, finaliza.

57 POSTOS DE TRABALHO PERMANECEM VAGOS EM CIDADES DO PIAUÍ
O último balanço da Secretaria de Estado da Saúde (Sesapi) divulgado na sexta-feira (21) aponta que 57 postos de trabalho permanecem vagos em cidades do estado. As mais prejudicadas são as cidades que eram assistidas exclusivamente por médicos cubanos, como é o caso de Guaribas, Morro Cabeça do Tempo, Barreiras, Baixa Grande do Ribeiro e Santa Filomena.

Até o momento, das 199 vagas abertas com a saída dos médicos cooperados cubanos, foram preenchidas 142 vagas com profissionais brasileiros, em 55 municípios piauienses. A coordenadora do programa Mais Médicos no Piauí, Idvani Braga, explica que o programa tem dado prioridade aos médicos brasileiros formados no Brasil. Apenas após a alocação deles, que tem a opção de escolher o local de trabalho, o Ministério da Saúde vai chamar os médicos brasileiros formados no exterior e, por último, os profissionais estrangeiros. Apesar disso, Idvani comenta que muitos médicos têm desistido da vaga alegando problemas com a distância até as cidades e a carga horária. Para ela, essa não é uma justificativa plausível, já que todas as informações a respeito das condições de trabalho estavam disponíveis no edital.

“[A demora em preencher as vagas] acaba sendo uma dificuldade muito grande, porque o município precisa estar a todo momento deslocando [os doentes] para cidades vizinhas. Nos prejudicou muito os candidatos aderirem ao edital e não comparecerem. Se não tinham a intenção de assumir, não deveriam ter feito a inscrição ou comunicado da desistência antes. Eles ocuparam a vaga que poderia ter sido assumida por outra pessoa que realmente tivesse interesse. Com isso prejudica a população”, analisa.

ISOLADOS DO DIREITO À SAÚDE
As cidades que permanecem sem atendimento são de difícil acesso, aumentando a resistência de muitos profissionais em se deslocarem até lá. Com isso, a população precisa percorrer longas distâncias até municípios vizinhos, em busca de atendimento médico.

Cuba anunciou a saída do Mais Médicos no dia 14 de novembro, em resposta às declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro de que expulsaria os médicos cubanos do país com base no Revalida, o exame de revalidação de diplomas de médicos formados no exterior. No dia 23 de novembro, os médicos cubanos começaram a deixar o Piauí. Ao todo, 202 profissionais deixaram o estado.

A coordenadora do Mais Médicos no Piauí informa ainda que, caso as 57 vagas não sejam preenchidas por brasileiros formados no país, já existem profissionais brasileiros formados no exterior aguardando, além de estrangeiros. A inscrição é feita no sistema nacional e os interessados escolhem a vaga que desejam concorrer. “A gente não sabe se todos os estrangeiros estão aptos, por conta da documentação. Podem assumir sem o revalida, mas precisam apresentar vários documentos. O Ministério da Saúde analisa e vê quem está apto a assumir”, explica Idvani.

Com a saída dos médicos cubanos do programa, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estima que 28 milhões de pessoas sejam prejudicadas. Cuba enviava profissionais ao Brasil desde 2013.

CONFIRA O CRONOGRAMA DO PROGRAMA MAIS MÉDICOS
26/12 - Publicação da relação dos médicos alocados nos municípios;

26/12 - Publicação da validação dos documentos dos médicos brasileiros formados no exterior;

27 e 28/12 - Escolha de vagas para médicos brasileiros formados no exterior (caso haja vagas);

28/12 - Publicação da validação dos documentos dos médicos estrangeiros;

03/01/19 - Publicação da alocação de brasileiros formados no exterior;

03 e 04/01/2019 - Escolha de vagas dos médicos estrangeiros (caso haja vagas);

07 a 10/01/2019 - Início das atividades dos médicos registrados no Conselho Regional de Medicina (CRM), que fizeram adesão às vagas remanescentes.

Por: Ananda Oliveira e Glenda Uchôa
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